Recebemos esse email-desabafo de nossos amigos (e clientes) Cesar e Sandro. Compartilhamos de sua indiginação, por isso resolvemos publicar e divulgar a mensagem abaixo na esperança que este caso seja revisto.
"De: Cesar Pereira [mailto:mcesarpsa@gmail.com]
Enviada em: quarta-feira, 27 de julho de 2011 15:54
Cesar Pereira
Assunto: Depoimento Público de um Cidadão Homoafetivo Discriminado no País da Pizza, do Futebol, da Cerveja e da Bunda
Depoimento de um Cidadão Homoafetivo Discriminado no País da Pizza, do Futebol, da Cerveja e da Bunda
Eu, Cesar, e meu companheiro, Sandro, tornamos pública nossa indignação e revolta contra a histórica e ainda atual situação discriminatória em relação às pessoas de orientação sexual homoafetiva – sendo esta contrária à dita orientação pseudo-normativa-implícita-social chamada de heteroafetiva.
Em nosso caso explicito, temos um relacionamento homoafetivo a mais de 5 anos (mais precisamente 8 anos e 2 meses). Há um ano atrás, celebramos um contrato de união homoafetiva, registrado em cartório de notas, de forma que possamos “tentar” manter nossa vida conjugal em acordo com os princípios civis; mas, sendo este um contrato entre duas pessoas, não é confiável em instâncias judiciais que sua interpretação ou validade não possa ser contestada.
Com a decisão do Supremo Tribunal Federal em equiparar os direitos dos casais homoafetivos aos casais heteroafetivos (até então, vergonhosamente únicos privilegiados pela nossa legislação), decidimos oficializar o reconhecimento de nossa relação em âmbito civil. Desta forma, em junho deste mesmo ano, procuramos o Cartório de Registro Civil da cidade de São Caetano do Sul, onde fomos muito bem recebidos pelo Sr. Wagner Zago (e todos os funcionários do estabelecimento), orientando-nos em todos os aspectos.
Demos entrada em nosso pedido de casamento civil, onde como qualquer casal heterossexual, cumprimos com todas as obrigações de praxe: documentação, testemunhas e taxas. Tivemos o proclama publicado no jornal Tribuna do ABCD, na edição datada de 16 de julho de 2011. Nosso processo no Cartório de Registro Civil de São Caetano do Sul é de Número 485/2011, Livro 11, Folha 20, Protocolo 1505/2011 – documento este de acesso público, como qualquer outro existente em Cartório.
Em primeira alçada, nosso pedido foi aprovado pelo procurador responsável da Comarca de São Caetano do Sul, sendo que o mesmo gentilmente anexou à documento outros casos semelhantes, já aprovados pelo judiciário deste país, a fim de embasar sua aprovação e auxiliar a próxima alçada.
Em segunda alçada, entretanto, tivemos nosso pedido negado pela juíza de direito Daniela Anholeto Valbão, na data de 26/07/2011, no Fórum Judiciário do Estado de São Paulo – Comarca de São Caetano do Sul (comumente conhecido por Fórum de São Caetano – residente na Estrada das Lágrimas, entre o Conjunto dos Radialistas e o Jardim São Caetano) na qual alega que não existe legislação que permita a união de pessoas de mesmo sexo (homoafetivos), estando esta união restrita somente aos heteroafetivos.
Atualmente, eu e meu companheiro iremos ao Cartório de Registro Civil de São Caetano do Sul, neste sábado (30 de julho de 2011) para oficializar nosso conhecimento de negativa ao nosso pedido, quando enfim teremos pleno acesso aos autos do processo civil.
ESTAMOS PROFUNDAMENTE INDIGNADOS!
Sou morador da cidade de São Caetano do Sul a mais de 30 anos. Sou social, civil, trabalhista e economicamente ativo – meu companheiro também!
Além de recolher impostos como pessoa física, sou autônomo (trabalho na área de informática), logo, tenho empresa aberta em São Caetano do Sul, desta forma, também sou recolhedor de impostos como pessoa jurídica, para o Município de São Caetano do Sul, o Estado de São Paulo e a União (Brasil).
Recolho impostos que servem unicamente para o âmbito social e sou discriminado, considerado cidadão de segundo nível, desprivilegiado em mais de 70 direitos, visto como pária, transmissor de HIV, vergonha da masculinidade, diferenciado, desvirtuado, pecador, imoral, degenerado, doente, “mulherzinha”, entre outros tantos termos vexatório – agora acumulo isso a tudo a um embasamento jurídico como atestado público! Vergonha de ser cidadão brasileiro! Vergonha de ser humano!
Mas o que fazer se em São Caetano do Sul, considerada a “Cidade de Primeiro Mundo” do Brasil, nossa realidade é calada e falsificada: números são escondidos pelos nossos governantes!
Dizem que São Caetano do Sul não tem crimes hediondos – mentira! São Caetano do Sul não tem miséria – mentira! São Caetano do Sul tem baixos índices de violência – mentira! São Caetano do Sul não tem homossexuais – MENTIRA!!! Temos sim e temos muitos! Sendo homossexual sou plenamente capacitado a reconhecer meus semelhantes – e não sou parte de um agrupamento de meia dúvida, uma dezena ou mesmo uma centena. Somos centenas, se não milhares de homossexuais moradores em São Caetano do Sul, cidade esta que nunca teve um único programa que invista em anti-homofobia! Se há uma coisa que aprendi sendo um cidadão sulcaetanense é: quer ser gay, vá para os redutos e boates de São Paulo!
Dizem que o ABCD é homofóbico? Pois estão correto! E o epicentro da homofobia velada, mandatória, outorgada desde a sociedade até os três poderes está em São Caetano Sul – que não admite a existência de homossexuais, falsificando estatísticas!
Dizem que os homossexuais querem destruir a família? Quanta vergonha! Quanto ostracismo! Quanto anarquismo cronológico-evolucionista! Prestem atenção: ouvimos isso ao longo da história, mundial e local, em muitos outros aspectos:
1. Durante a luta para acabar com a escravidão religiosos e os ditos “moralistas” deste país utilizaram a mesma temática: os negros acabariam com a família, com a moral, com os bons costumes. Isso aconteceu? Aquele livrinho discriminatório a que intitulam de “Bíblia” foi alterado? Não! Continua dizendo que deus puniu os de pele cuxim (preta em hebraico antigo). Evoluímos e criamos vergonha na cara e os negros estão livres. Mas tivemos que criar uma lei anti-racista para que houvesse uma mordaça e uma conduta policitamente correta. Sim, correta e não verdadeira, pois racismo ainda existe, mas pelo menos existe algo que os proteja de gente dita “moral e religiosamente correta”.
2. Quando a mulher saiu da asa do marido e ganhou sua liberdade e sua igualdade de direito, os ditos “moral e religiosamente corretos” atacaram de novo com os mesmos argumentos! A família acabou? A moral foi destruída? O “dito alcoviteiro Deus Cristão” destruiu o mundo? Não! Evoluímos novamente! Mas temos que ter leis que as protejam, como a Lei Maria da Penha – afinal, tudo não passa de uma aparência “politicamente correta”.
3. Quando o biquíni surgiu, os ditos “moral e religiosamente corretos” atacaram novamente com os mesmos argumentos! A família acabou? A moral foi destruída? Não! Leila Diniz foi a primeira mulher a ser xingada neste país para que hoje o biquíni se tornasse uma peça corriqueira no guarda-roupa feminino. Evoluímos novamente.
Estou farto e cansado deste país, destes moralistas, destes religiosos, destes políticos, destes juízes – estou farto de uma luta silenciosa. Estou farto de ter de lutar todo o dia para vencer o preconceito.
Estou farto de arcar com todas as minhas obrigações civis, políticas e econômicas e ser mantido a margem da sociedade, tratado como cidadão de segunda linha, de uma “casta” impura e rebaixada! Não sou um reduto, são ou um beco – sou um ser humano, pleno de minhas capacidades físicas e mentais (até além da conta – tenho QI superior a 170), pleno de minha cidadania, consciente de minha existência, pleno de sentimentos bons e ruins como qualquer outro ser humano psiquicamente normal. Sou capaz de amar e odiar, gostar e detestar, sorrir e chorar quanto qualquer outro dito heterossexual. Quando me corto, eu sangro (vermelho!), como qualquer outro heterossexual!
Tenho vergonha de parte deste país que privilegia os corruptos, os malandros, o jeitinho brasileiro, a discriminação, a politicagem, os religiosos (principalmente os canalhas e fanáticos), uma dita religião “pseudo-normativa” cristã e seu livro que evoca discriminação, racismo, xenofobia, assassinato, incesto, preconceito, violência, conivência com criminalidades, abuso de poder, narcisismo, entre outros! Tenho vergonha de ser deixado ao léu quanto à equiparação de direitos civis, dependendo exclusivamente da “boa vontade alheia” dos nossos legisladores e dos nossos juízes – que de imparciais não tem em nada!!! Tenho vergonha de viver em um Estado dito “Laico de Direito”, mas que permite embasamento governamental, legislativo e judiciário em princípios religiosos, todos arraigados unicamente da pseudo-normativa “religião cristã”. Tenho vergonha dos nossos legisladores que abrem a boca para cuspir besteiras, discriminação, desconhecimento, que não trabalham para uma sociedade igualitária de fato e de direito, mas para seus “lobis”, seus redutos, seus preconceitos, suas ganâncias!
Tenho vergonha de ser um cidadão sulcaetanense e ter sido discriminado em escolas públicas sem nenhum amparo e ainda ser discriminado pela sociedade local – não suporto mais a mordaça que não me permite dizer quem e o que eu sou! Não suporto mais ver outros como eu, passar pelo mesmo que eu passei e ver que em nada a “bela cidade do primeiro mundo do Brasil” mudou ou faz para ser diferente, além de esconder para debaixo do tapete sua realidade!
Tenho nojo de ser humano em um país que termina em pizza, futebol, cerveja e bunda e ainda se diz moralista e religioso!
Tenho fé, que vem primeiro que qualquer religião. Tenho caráter! Tenho força! Tenho masculinidade! Tenho equilíbrio! Tenho sobriedade! Tenho discernimento! Tenho sentimentos! Tenho HUMANIDADE! Só não posso ser igual, pois sou único, como cada um de nós o é como indivíduo. Mas sou exatamente igual a você ou a qualquer outro quando somos HUMANOS! E como tal, como um ser humano, tenho indignação de viver em uma sociedade preconceituosa como a nossa!
BASTA!
(P.S.: por favor, torne público este depoimento! Consentimento pleno autorizado!)"