23 de dezembro de 2005

Pode uma empresa de eletricidade vender Seguro?

Fonte: seguros.inf.br

Por João Marcos B. Martins

Este mês, dezembro de 2005, a AMPLA Energia e Serviços S.A. (ex CERJ – Companhia de eletricidade do Estado do Rio de Janeiro), está remetendo a seus clientes, junto com a fatura de cobrança de fornecimento de energia elétrica, um formulário de adesão para contratação de seguro de vida, denominado por eles de VIDA SEGURA AMPLA, embora se trate de cobertura para o risco de morte. A atitude da Ampla, operando no ramo de seguros, a nosso ver, reveste-se de flagrante ilegalidade.

Primeiramente, informam que o seguro é garantido pela Ace Seguros e administrado pela Marsh, aduzindo ser esta a maior corretora do mundo. Ocorre que somente ao corretor de seguros é permitido promover e angariar contratos de seguros. Esta tarefa está sendo feita pelo próprio estipulante que é a AMPLA Energia e Serviços S.A., na vez da Marsh. Aliás, a Marsh é citada no formulário de adesão como administradora do seguro. No entanto, o formulário é claro em informar que os clientes do VIDA SEGURA dispõe de central exclusiva para o esclarecimento de qualquer dúvida sobre o produto, aduzindo ainda que a ligação é gratuita(número da Ampla). Cabe a seguinte, e juridicamente sustentável, indagação: serão os corretores de seguros da Marsh que atenderão na central do VIDA SEGURA para dar esclarecimentos sobre o seguro? Certamente que não. E aí resta claro o exercício ilegal da profissão tipificado no Código Penal Brasileiro. Desde quando uma funcionária de uma distribuidora de energia elétrica está capacitada para “intermediar” contratos de seguros? Ademais, repita-se à exaustão, esta não é tarefa do estipulante e sim do corretor de seguros.

Cabe destacar ainda o fato da AMPLA se colocar como estipulante do seguro, outra ilegalidade. Isto porque, o artigo 801 do Código Civil Brasileiro determina que: “o seguro de pessoas pode ser estipulado por pessoa natural ou jurídica em proveito de grupo que a ela, de qualquer modo se vincule”. A interpretação da expressão “de qualquer modo se vincule” não alcança, a nosso ver, relações econômicas decorrentes de monopólio exercido por empresa privada em função de concessão pública. Não se pode dizer que os clientes da AMPLA se constituam num grupo homogêneo e com objetivos comuns dado que não estariam nessa condição por vontade própria. Não se confunde com os membros de uma associação, com os funcionários de uma empresa, com os sócios de um clube e por aí vai. Vale dizer pessoas que realmente estariam reunidas com um fim único e espontaneamente.

Ainda sobre a condição de estipulante da AMPLA, por tal estipulação recebe ela, nada mais nada menos que 30 % (TRINTA POR CENTO) do valor do prêmio recolhido. Qualquer profissional do ramo de seguro sabe, pois é praxe, que o percentual de comissão de corretagem seja sempre maior do que o pró-labore pago ao estipulante, Fica no ar a questão: qual seria afinal a comissão do corretor? Certamente não seria menor do que 20% (vinte por cento), percentual usualmente pago nesses casos. Ora, chegamos aí a um percentual de carregamento já na casa dos 50% (cinqüenta por cento). Convenhamos, num seguro, de perfil absolutamente popular, 50% (cinqüenta por cento) de remuneração é um verdadeiro absurdo, para dizer o menos.

Outro questionamento, absolutamente fundamental, é: qual a relação existente entre o fornecimento de energia elétrica e a venda de seguro de vida? São atividades afins? Há correspondência entre elas? Quem autorizou a AMPLA a entrar no negócio de seguros? A AMPLA se apóia no parágrafo único do artigo 84 da Resolução 456/00 da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica). Vejamos o que diz este artigo: “ Art. 84. Além das informações relacionadas no artigo anterior, fica facultado à concessionária incluir na fatura outras informações julgadas pertinentes, inclusive veiculação de propagandas comerciais, desde que não interfiram nas informações obrigatórias, vedadas, em qualquer hipótese, mensagens político-partidárias. Parágrafo único. Fica também facultado incluir a cobrança de outros serviços, de forma discriminada, após autorização do consumidor.” Nota-se claramente, para qualquer ser humano dotado de inteligência mediana e razoável alfabetização, que a autorização dada no parágrafo único para “cobrança de outros serviços”, se refere a serviços pertinentes ao fornecimento de energia elétrica. Certamente que ao redigir a resolução 456/00, a autoridade administrativa, em hipótese alguma, tinha em mente um conceito tão elástico para a expressão “outros serviços” de tal sorte a incluir também a estipulação de contrato de seguro de vida. A julgar tal raciocínio correto, pode a AMPLA operar a venda de manteiga, velocípede, bimotores, produtos farmacêuticos e etc. Aí, nota-se claramente uma interpretação extensiva em causa própria.

Diz a lei, artigo 757 do Código Civil Brasileiro: “Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos pré-determinados”. Mais adiante, no artigo 759, explicita: “A emissão da apólice deverá ser precedida de proposta escrita com a declaração dos elementos essenciais do interesse a ser garantido e do risco”. Portanto, do artigo 757 a 802 do Código Civil Brasileiro é normatizado o contrato de seguro. O tal plano VIDA SEGURA da AMPLA reza claramente que a condição de segurado será adquirida pelo cliente que optar pelo seguro na forma prevista, condição esta que será mantida enquanto o pagamento mensal do prêmio estiver sendo realizado pelo cliente, pagamento este que, após a adesão, deverá ser feito num único pagamento, vale dizer, na mesma fatura de cobrança da conta do fornecimento de energia elétrica. Deixando o cliente de pagar a fatura no prazo o seguro ficará imediatamente suspenso. Sobre isso, diz a AMPLA, literalmente: “ durante o período de suspensão, caso ocorra um evento coberto, o cliente não terá direito à indenização”. Independentemente da péssima redação, não sabemos se proposital ou não, haja vista que o cliente em hipótese alguma terá direito à indenização posto que está surgirá a partir do momento de sua morte e defuntos não recebem nada, como popularmente se diria, o fato é que o contrato de seguro foi transformado num pacto adjeto, função da clara acessoriedade de que lhe revestiu a AMPLA. Em outras palavras, cancela-se um contrato de seguro por qualquer problema ocorrido na prestação do serviço de fornecimento de energia elétrica. Absurdo, sem falar na venda casada, é de se questionar a exigida função social do contrato, tão bem delineada no novo Código Civil Brasileiro.

Diz o nosso Código Civil, artigo 421, que a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. No artigo seguinte reza: “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”. Então pergunta-se: qual a verdadeira função SOCIAL do VIDA SEGURA da AMPLA uma vez que estipula uma indenização de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para o caso de morte do seu cliente, que tenha aderido ao plano? Cinco mil reais poderia ser considerada, nos dias de hoje, uma quantia minimamente razoável, e tal razoabilidade considerada no âmbito previdenciário? Logicamente que não e, pior quando se sabe que metade do prêmio pago estará sendo carreado para as despesas de intermediação, destas ficando com a AMPLA nada menos que 30% (trinta por cento). Questiona-se, a quem aproveita esse negócio? Isto, sem falar do capítulo riscos excluídos, o qual exclui doenças pré-existentes à contratação do seguro, de conhecimento do segurado. Como também, alcoolismo, uso de psicotrópico e ou entorpecentes. Levando em conta tais exclusões, quem teria direito à indenização? Tais exclusões não são compatíveis com contratos cujas propostas não foram assinadas pelos “clientes”, e, sobretudo à clientela a que se dirige.

Ainda no formulário de venda da AMPLA, nas disposições gerais, diz assim: “o registro deste plano na SUSEP não implica, por parte da autarquia, incentivo ou recomendação à sua comercialização”. Como é sabido, a SUSEP - Superintendência de Seguros Privados, que fiscaliza as seguradoras no país, somente arquiva a nota técnica atuarial. O formulário de venda, com todas as incongruências acima ressaltadas, certamente não foi objeto de avaliação. Então, a bem da instituição do seguro, como elemento garantidor dos ativos, solidariedade implícita, mutualismo presente, fonte de captação de poupança popular, com a palavra a SUSEP, PROCON, MINISTÉRIO PÚBLICO, FENASEG, FENACOR, SINCOR etc, não necessariamente nessa ordem.

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